Batom

Lina chegou. O licor de uísque lambuza meus lábios. É assim melado que a beijo.
Ela vem mansa, lingerie sempre à mostra.
Gosto de induzir Lina a lamber entre meus dedos. Bem na porta do apartamento. Se vem gente, melhor.

Hoje comecei o dia ouvindo Carmina Burana. Ela logo chega, eu sei.

Lina tocou duas vezes. Imaginei-a impaciente, umedecendo os carnosos lábios, como eu gosto. Deixei tocar de novo. Aumento um pouco o som. Quero que ela ouça. Espero os chamados, as batidas secas na porta.
Lina linda, disputávamos nossos namoros juvenis. Lina vencedora. Alta, sensual, a mulher-objeto que todo homem deseja possuir até a morte.
Aumento mais o som. Ela já espanca aporta. Aguardo, atenta, os gritos. Sorvo um gole grande. Doce. O beijo doce. Os lábios. Sempre teimo em sangrar os grossos lábios, sugar saliva e sangue e embriagá-la com toxinas de seu próprio insaciável e prepotente sexo.

Lina roubou meu primeiro amor. Moderna, fazia sexo na adolescência como imaginávamos só Marilyn Monroe fazendo.
A dor de combater desejos me veio cedo.
É hilário. Eu chorava e Lina me consolava, afagava lenta meus cabelos e, entre os soluços, suspirava dizendo como Ricardo a deixava tesa, eu soluçava mais, ela me acariciava, e sussurrava, pontuada, como submetia Ricardo. Até lamber meus dedos, ela dizia, e eu sentia dor, prazer, dor.

Lina, meu bem, esmurra a porta. Isso. Deixa a alça cair como ontem e anteontem. Mostra a renda preta, combina com a liga que te dei naquele natal. Que escândalo, Lina.

Carmina Burana mais forte. Viro mais um copo. Queima. Apago as luzes. Mais gritos, mais tesão.
Choro longo, feito criança perdida.
Gosto indescritível.
Linda Lina. Esfrego a boca melada no teu telegrama suicida. Vermelho. Como as manchas que sempre imprimi nos teus alvos lábios, vulva rosada. Pura sabedoria. Sábia, te escravizei, mil artimanhas, mil orgasmos, e o gosto de sentir dor.
Mordo, Lina. O pranto adolescente, mero pano de fundo. Agora mordo.
Urra, Lina. Arranha a porta. Minha amiga. Meu mito, meu algoz. Diz que vai se matar. Que feio, Lina.
Assim te quero. Assim. Ingerindo veneno. Como se teu ventre, resgate ancestral, se ungisse do líquido que me falta.
Silencia, Lina. Pára. E fica atenta aos engulhos, ânsias, dor de parto invertido. Pára.

Carmina Burana, meus lábios carmim, é som rouco da faixa finita, arranhando o selo clássico.
Desligo o som. Fecho a porta do nosso quarto. Constato o silêncio na escuridão. Ruído algum. Ótimo.

Não consigo dormir com barulho.





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